segunda-feira, 9 de julho de 2007

O Principezinho

«As pessoas grandes nunca percebem nada sozinhas e uma criança acaba por se cansar de ter que estar sempre a explicar-lhes tudo.
(...)
Tinha os olhos completamente esbugalhados de espanto. Quando um mistério é grande demais, não nos atrevemos a desobedecer. (...) tirei uma folha de papel e uma caneta da algibeira. Mas lembrei-me que só tinha estudado geografia, história, matemática e gramática e (com ar não muito satisfeito) disse ao menino que não sabia desenhar. Respondeu-me:
- Não faz mal. Desenha-me uma ovelha...
(...)
E eu desenhei.
Depois de examinar o desenho com toda atenção, o menino exclamou:
- Não, não! Esta não, que já está muito doente! Arranja-a.
E eu obedeci:
(...)
Então já sem grande paciência, porque estava com pressa de começar a desmontar o motor, rabisquei este desenho.
- Isto é uma caixa. A ovelha que tu queres está lá dentro.
Para grande espanto meu, vi que o rosto do meu juiz se iluminava.
(...)
Perguntou-me de chofre, sem rodeios, como se fruto de um problema longamente meditado em silêncio:
Uma ovelha, se come arbustos, também come flores?
- Uma ovelha come tudo quanto lhe aparece pela frente.
- Mesmo as flores com espinhos?
- Claro. Mesmo as flores com espinho.
- Então para que servem os espinhos?
Eu não sabia. Estava todo concentrado no meu motor, a tentar desenroscar uma porca.
(...)
- Para que servem os espinhos?
Uma vez que a fizesse, o principezinho nunca desistia de uma pergunta. Eu estava irritado com a porca e só respondi para ver se ele se calava:
- Não servem para nada. São uma pura manifestação de maldade!
- Oh!
(...)
E se eu, eu que aqui estou à tua frente, conhecer uma flor única no mundo, uma flor que não existe em mais lado nenhum senão no meu planeta e que, numa manhã qualquer, uma ovelhinha pode reduzir num instante a nada, sem se quer dar por isso, também não tem importância nenhuma, pois não?
(...)
Ora, olhem para o céu e pensem: “A ovelha terá ou não terá comido a flor?” Vão ver como tudo fica diferente...
E nenhuma pessoa grande há-de alguma vez perceber como isso é importante!»

Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho

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